Juarez Guimarães
Há a princípio três hipóteses para se pensar o sentido histórico da Mensagem ao Partido e de sua relação com o PT.
A primeira hipótese é que o seu futuro tem o seu limite circunstanciado pela sua origem, isto é, a Mensagem ao Partido seria um fenômeno efêmero ditado pela necessidade de sobrevivência diante da dramática crise vivida pelo partido em 2005. Quanto mais distanciado desta crise, da sua urgência e das suas ameaças, com menos pulsão bateria o coração da Mensagem ao Partido. Cremos que esta hipótese, embora tenha parte de razão – a mais grave crise vivida pelo partido tornou imprescindível a formação de nosso movimento político -, não explica a renovação de nossa convergência em momentos políticos recentes tão decisivos como no governo do Rio Grande do Sul, na atuação política no Congresso Nacional e na construção nacional do PT.
A segunda hipótese, mais generosa, explicaria a Mensagem ao Partido, para além de uma resposta eventual à maior crise vivida pelo PT, como um mecanismo útil de coordenação de lideranças e correntes que têm afinidades eletivas, por força de uma aderência mais programática e menos pragmática aos valores e programas históricos do PT. Esta é uma hipótese possível, capaz de explicar a origem e a permanência da Mensagem como protagonista da vida atual do PT. Mas esta mera funcionalidade é claramente insuficiente para lidar com os desafios políticos que estão à nossa frente, de largo fôlego histórico e de alta complexidade política. Na verdade, esta segunda hipótese congelaria o atual status quo da Mensagem ao Partido, afunilando o seu futuro às circunstâncias dos desdobramentos da diferenciação política em curso no interior do PT.
A terceira hipótese, que gostaríamos de trabalhar nesta exposição, é que, mesmo reconhecendo a importância do contexto da origem e a funcionalidade do seu caráter atual de confederar e coordenar correntes e lideranças afins, o seu sentido fundamental está no futuro. Está na construção de sua capacidade de contribuir decisivamente para a superação do impasse histórico do PT e de sua direção nacional, impulsionando uma nova convergência de forças partidárias e dos movimentos sociais.
Em um sentido novo, estamos retomando aqui o sentido original da organização da Mensagem ao Partido. Sabemos que a presidência interina de Tarso Genro e a quase vitória de Raul Pont no segundo turno das eleições para a presidência do partido, deram-se em um cenário de aberta deslegitimação pública das lideranças do chamado “campo majoritário”. De lá para cá, foi se formando uma nova federação de forças relacionadas ao antigo “campo majoritário”, a partir das dimensões inerciais da correlação de forças do partido e do modo como esta se reproduz nas dimensões limitadoras da democracia partidária tais como existem hoje, e se conformando uma nova maioria partidária. Houve, sem dúvida, uma estabilização relativa da crise do partido que, a partir desta nova maioria e o papel de segunda força da Mensagem, conseguiu inclusive impulsionar um crescimento na margem da influência e força do PT, a partir das vitórias e popularidades impressionantes conquistadas pelos governos Lula.
Mas, em um sentido rigoroso, é preciso afirmar que esta estabilização relativa da direção nacional do PT não representa a superação do seu impasse histórico, na base do qual se originou a crise de 2005. Já se observou que esta formação de uma nova maioria partidária não reflete uma nova ou nem mesmo uma atualização de uma convergência programática mas sim a acomodação de diferentes lideranças e grupos que têm, por todos os motivos, laços históricos de experiência e interesses. Mas é preciso reconhecer que a própria Mensagem ao Partido ainda também não acumulou para oferecer um campo programático de superação do impasse histórico do PT.
As diretrizes do programa da revolução democrática
O documento aprovado na X Conferência Nacional da DS, “Diretrizes do programa da revolução democrática”, propõe-se a ser o início de uma elaboração coletiva que já traz, em um sentido profundo, diálogos com a experiência acumulada pelas forças políticas que constituem a Mensagem ao Partido. Pela sua própria caracterização, ele não pode ser concebido ou elaborado por uma tendência mas precisa ser desenvolvido, completado, enriquecido e mesmo modificado por um amplo espectro de forças do PT e dos movimentos sociais. Nem anterior ou exterior à própria inteligência coletiva da Mensagem, ele propõe-se exatamente a responder ao grande desafio posto claramente ao nosso movimento político desde 2005: se o PT não conseguir dirigir a mudança histórica e estrutural do Estado brasileiro, apoiado em um novo e amplo ascenso de lutas democráticas e sociais, é o Estado brasileiro, com suas graves limitações classistas, anti-republicanas e anti-democráticas que forçarão um processo pragmático de adaptação progressiva do PT.
O centro das “Diretrizes do programa da revolução democrática” é exatamente propor uma atualização do programa histórico do PT, elaborando pela primeira vez na cultura partidária os fundamentos gerais de um novo Estado brasileiro que pode resultar de uma dinâmica de revolução democrática. Ele parte da visão de que a quarta vitória nacional consecutiva sobre o neoliberalismo em meio à sua crise internacional – as três vitórias eloeitorais nacionais e o enfrentamento da crise de 2008 – coloca a possibilidade da construção de uma nova hegemonia política no país, estruturando um bloco histórico de forças políticas e sociais, e não mais apenas uma dinâmica de enfrentamento de projetos com o neoliberalismo. Apesar de manter um protagonismo importante, inclusive devido a sua força econômica, midiática e internacional, as forças políticas do neoliberalismo vivem hoje uma clara crise da legitimidade de sua agenda e valores. O método de elaboração deste programa está centrado exatamente em um diagnóstico das mudanças que nestes oitos anos de governo Lula fomos capazes de imprimir ao Estado brasileiro mas também os seus limites estruturais. O seu centro está justamente na retomada e aprofundamento da luta pela democratização do estado brasileiro, área na qual sofremos as maiores limitações.
Neste sentido, o documento aprovado na X Conferência Nacional da DS se propõe a solidarizar o futuro da DS ao futuro da Mensagem. É um convite ao aprofundamento das nossas relações políticas a partir da construção de um programa comum, de um plano de trabalho comum, não apenas para a conjuntura imediata mas para toda uma época histórica. Esta atualização do programa histórico certamente aumentará qualitativamente o protagonismo da Mensagem no interior do PT, a sua capacidade de atração e qualificará o seu diálogo com um vasto conjunto de forças e lideranças petistas que têm todas as possibilidades de se relacionarem positivamente com este esforço.
O pressuposto fundamental de seu diagnóstico é que o impasse histórico do PT está centralmente vinculado ao atraso na construção de seu programa histórico. Desde 1989, pelo menos, todo o esforço partidário concentrou-se na construção de programas para governar o país. Desde 2003, estamos inseridos no centro do Estado brasileiro, que é, no fundamental, formado por valores e interesses estranhos e adversos à nossa própria identidade socialista democrática.
Este atraso na construção do programa histórico do PT – o programa da revolução democrática – cria inevitavelmente uma situação permanente de crise de identidade pública do PT porque, como bem avaliamos, se os governos Lula souberam construir uma clara direcionalidade de esquerda e de compromissos reafirmados com as classes trabalhadoras, eles tiveram limites estruturais em função do seu caráter de coalizão e dos limites postos pela própria natureza do Estado brasileiro.
Em segundo lugar, este atraso programático reproduz um limite para a função pública do partido. Isto é, ele se torna fundamentalmente um instrumento da governabilidade institucional do governo, em seu sentido estrito, perdendo a capacidade de organizar politicamente a base social de apoio do governo como verdadeiros sujeitos ativos da revolução democrática.
Em terceiro lugar, este atraso programático limita gravemente a expansão hegemônica do PT na sociedade, ao retirar dele a condição de liderança pública da luta democrática no país, tornando-o, ao revés, alvo fácil das denúncias liberais de que o partido apenas reproduz os vícios anti-republicanos e anti-cidadãos da política brasileira.
É exatamente esta crise da identidade socialista democrática do PT, de suas razões públicas, de sua função pública na cena brasileira e de sua liderança histórica na luta democrática que tornam o problema da direção nacional do PT e de sua organização um círculo sem saída se pensado apenas no plano organizativo. As melhores tradições da esquerda sempre souberam vincular os grandes desafios organizativos aos desafios programáticos.
É assim que convidamos os companheiros da Mensagem ao Partido para elaborar juntos, coletivamente, as diretrizes da revolução democrática. É esta a contribuição mais importante que a Mensagem ao Partido pode dar ao governo Dilma, pois esta atualização do programa histórico do PT permitirá retomar e aprofundar, agora em um sentido mais largo e permanente, a construção da hegemonia dos socialistas democráticos na cena histórica brasileira e latino-americana.
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